Anu. Inst. Geocienc. v.12 Rio de Janeiro dic. 1989
Estratigrafia da bacia de São José de Itaboraí*
Benedicto H. Rodrigues Francisco
Museu Nacional, UFRJ
A pequena bacia de São José de Itaboraí, desde que foi descoberta casualmente, nos anos 20 do presente século, vem merecendo a atenção dos pesquisadores, graças, principalmente, á sua notável riqueza fossilifera.
As reduzidas dimensões da bacia não impediram que a mesma fosse objeto de intensa lavra durante meio século, pela Cia. de Cimento Portland Mauá. Somente ao final de 1984 a Cia. Mauá considerou impraticável a continuação dos trabalhos de ex-ploração paralisando suas atividades no local. Desde então a pedreira de São José, abandonada, transformou-se parcialmente em uma lagoa. O acesso ás camadas carbonáticas fossillferas aos poucos tornou-se mais dificil e as visitas tornaram-se cada vez mais raras.
Não será demais lembrar que a bacia de São José é a unica localidade fossilifera conhecida no Estado do Rio de Janeiro na sua parte continental, tendo sido durante muitos anos utilizada para excursões e trabalhos práticos por professores e estudantes das Universidades do Estado do Rio de Janeiro. Infelizmente, depois que a Cia. Mauá abandonou a área, nenhuma Instituição se interessou em manter o local em condições de fácil acesso para pesquisadores, professores e estudantes. Exceção seja feita apenas para iniciativas isoladas, como a do professor Fausto Luiz de Souza Cunha do Museu Nacional, que tentou o tombamento junto ao SPHAN, mas sem sucesso.
Durante os primeiros anos de franca atividade, a bacia teve como pioneiro Viktor Leinz, que foi o primeiro a fazer uma abordagem global da bacia, em 1938, com seu trabalho publicado na revista Mineração e Metalurgia (Os calcários de São José, Nictheroy, Estado do Rio, Min. Met. 3(15)).
Mais tarde, Carlos de Paula Couto, do Museu Nacional, se destacava pelos trabalhos sobre os vertebrados encontrados nos sedimantos preenchendo as cavidades de origem carstica, tendo publicado um grande numero de trabalhos sobre o assunto.
Na década de 50 F.W. Sommer se interessou pula bacia, sendo o primeiro a realizar uma pesquisa sistematica e preocupar-se com o controle estratigráfico. Além de estudar os vegetais (sementes) orientou os trabalhos de Nicea M. Trindade, então estagiaria da Seção de Paleontologia da Divisão de Geologia e Mineralogia do Departamento Nacional da Produção Mineral.
Mais tarde, Cândido Simões Ferreira retomava os trabalhos com os moluscos, sendo autor de algumas descobertas interessantes, incluindo novas espécies. O Professor do Instituto de Geociências da UFRJ, Ignacio M. Brito participou intensamente dos trabalhos realizados nos anos 60 e 70, orientando inclusive Dissertação de Mestrado sobre a Paleontologia da Bacia.
Nos anos 70 e 80 o mais entusiasmado e dinâmico pesquisador a se ocupar da bacia de São José de Itaboraí, foi o Professor Fausto Luiz de Souza Cunha. Alem de orientar Dissertação de Mestrado fez inúmeras visitas a bacia, coletando enorme quantidade de material hoje depositado no Museu Nacional. Coube ao Prof. Fausto Luiz de S. Cunha a coleta de vertebrados em camadas Pleistocênicas, além de importantes restos ósseos, tanto no calcário mais antigo, quanto nas camadas do Paleoceno mais recente.
Quanto à estratigrafia da bacia de São José, embora aparentemente bastante simples, na verdade é muito complexa quando se desce às particularidades, em razão dos diversos eventos locais e regionais que a afetara ao longo de sua história geoló. Esta, aliás, está inserida em um contexto regional mais amplo, que é a borda leste da América do Sul, a qual por sua vez é integrante da Placa Teutônica Sul Americana.
A história da bacia de São José remonta aos primórdios da separação de placas tectônicas africana e sulamericana que se deu no final no Jurássico e se intensificou no Cretáceo surgindo em conseqüência o Oceano Atlântico. O tectonismo decorrente gerou inúmeras bacias, inclusive as do tipo rift do vale do Paraiba do Sul e a própria bacia de São José de Itaboraí.
O embasamento igneo-metamorfico constituido basicamente de gnaisses, migmatitos, granitos, pegmatitos, rochas calcio-silicáticas, mármores, anfibolitos etc. foi atravessado no Cretáceo por igneas básicas e, mais tarde, também por igneas alcalinas (Cretáceo ate o inicio do Terciário).
O magmatismo alcalino estava, portanto, ainda ativo, quando deu-se o inicio de deposição dos sedimentos na bacia São José, no semi-graben, gerado pela tectónica de falhamento ligada á assim chamada "Reativação Wealdeniana" de Fernando Marques de Almeida, aproveitando antigas direções de fraturas pré-existentes desde o Pré-Cambriano.
Os sedimentos depositados no fundo da bacia incluem elásticos grosseiros, constituídos basicamente de fragmentos de quartzo e feldspatos frescos, angulosos, além de fragmentos de rocha, em matriz pelitica, carbonática, contendo fósseis de gastrópodes pulmonados em abundância.
Intercalada aos sedimentos elástico-carbonáticos ocorrem leitos de calcário fitado puro de origem química (também cha mado travertino), praticamente afossilifero. As camadas pisoliticas e oolíticas ocorrem em diversos níveis, tendo como núcleo minerais como quartzo, feldspato, e, esporadicamente, fósseis de gastrópodes.
Após a deposição, os sedimentos da seqüência inferior foram submetidos a uma intensa atividade cárstica. Resultaram dessa atividade inúmeras cavidades que foram preenchidas e com material elástico, pobre em carbonatos. Neste material foram colhidos os restos de vertebrados estudados principalmente por Carlos de Paula Couto. Este pesquisador, comparando a fauna de Itaboraí com a da Patagônia, concluiu serem os de Itaboraí mais ou menos contemporâneos de Formação Rio Chico, situada no Paleoceno Superior. Diante disto, a seqüência inferior somente pode ser mais antiga que o Paleoceno Superior, talvez do Paleoceno Inferior.
O Professor Ignacio M. Brito discorda desta interpretação. Para ele, os sedimentos contendo gastrópodes seriam mais recentes do que aqueles cortados pelos canais de dissolução carstica. Argumenta que o conjunto faunistico desta seqüência sugere idade mais recente, provavelmente seria do Paleoceno Superior ao topo do Terciário.
As ideias de Ignacio M. Brito constituem uma interpretação da bacia de São José cuja validade cabera aos futuros geocientistas considerar, atentando obviamente para os dados levantados ao longo dos anos por diversos pesquisadores.
Na verdade, as duas maneiras de interpretar a estratigrafia da bacia são antagônicas, e apenas uma deve estar correta. A principal questão é esta: serão os gastrópodes mais antigos ou mais recentes que os vertebrados que foram depositados nos canais de dissolução?
A interpretação de Ignacio Brito e seguidores coloca os gastrópodes como posteriores ao evento cárstico que possibilitou a deposição dos vertebrados descritos por Carlos de Paula Couto.
A interpretação de Paula Couto e seguidores admite os calcários com gastrópodes tendo eles mesmo sofrido a ação carstica, sendo portanto anteriores aos sedimentos que preenchem os canais de dissolução.
Finalmente, recobrindo este conjunto de sedimentosoar bonáticos faz um conjunto puramente clástico, de idade indeterminada, mas que pode ser correlacionado com sedimentos batiza dos por Regina Mousinho de Meis e Elmo Amador de Formação Macacu, Camadas Pré-Macacu, do Plio-Pleistoceno.
Depósitos sem dúvida pleistocênicos foram descobertos por Fausto L. de Souza Cunha, consistindo em rudáceos com res-tos de vertebrados. Estes foram descritos por L.I. Price e D. A. Campos como sendo restos deHaplomastodon, Eremotherium e Testudo, idade atribuida ao Pleistoceno.
Nesta sumária descrição estratigráfica foram apenas folheadas as emocionantes e instigantes "páginas" de um "livro" caprichosamente escrito e guardado em São José de Itaboraí.
Ao terminar esta palestra gostaria de exortar a todos os presentes, principalmente aos jovens, para que tomem esta bandeira na mão e lutem para que a bacia de São José de Itaborai continue sendo útil como bacia-escola e campo de pesquisa geológica e paleontologica. Lembro que só recentemente, um evento tão importante quanto um vulcanismo ankaramitico, que teria afetado a bacia há 40 M.A. foi descoberto e divulgado.
Acredito que muito há para ser ainda desvendado sobre Itaboraí, pelos cientistas que por ela se interessarem e a ela se dedicarem. Embora maltratado, o "livro" está lá, com o que resta para ser lido e interpretado.
* Palestra realizada, dia 07/03/90 (Dia do Paleontólogo), no Departamento Nacional da Produção Mineral, Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário